segunda-feira, 20 de maio de 2013


- O  ESPADACHIN E O TIGRE - 




Sob um céu que pende entre o cinza e o púrpura, um disciplinado Espadachim aguarda. O vento gelado lhe corta o rosto, surra seu corpo, fere sua alma… mas ele permanece impassível. O vento lhe dá a certeza da Vida. O céu que muda de cor diante de seus aguçados olhos, lhe confirma a impermanência do Cosmos.

Ele observa sua espada, companheira em tempos de Paz e em tempos de Guerra. Olha para as incontáveis pequeninas cicatrizes em seus dedos que tantos punhais arremessaram – algumas vezes errando e tantas outras acertando ao longo de sua jornada. Leva a mão ao peito, lembrando-se brevemente de outras horríveis cicatrizes ocultadas por seu denso casaco. Ajusta sua velha, porém resistente cota de malha que tantas vezes protegeu seu corpo… e certamente sua alma.

Inspira, enchendo seus pulmões com o gélido ar da montanha, como se tentasse de alguma forma absorver respeitosamente parte do Espírito da Natureza à sua volta. Horas se passam e o Espadachim ainda permanece de pé, praticamente imóvel numa imensa clareira, longe de qualquer tipo de abrigo, no mais longínquo e selvagem trecho daquela perigosamente linda e isolada floresta. Tamanho risco é aparentemente insensato, contudo, é mais do que proposital. É a única forma de garantir que ele possa se encontrar por uma última vez com o Grande Tigre Branco, que tanto lhe causou amargura, ódio e tristeza por décadas e décadas. A cada encontro entre esses dois caçadores, ao menos uma vida se perdia, fosse um companheiro de armas, um familiar ou um aliado.

A noite começa a ser anunciada no horizonte e o vento torna-se chuva. O Sol dá lugar à Lua tão rapidamente quanto a chuva dá lugar à neve. Conforme uma suave penumbra avança por entre as árvores, passos silenciosos igualmente avançam em meio às folhas que recobrem parcialmente o chão, já tomado pela neve – sim, o velho e experiente Tigre aguardou tanto quanto o veterano Espadachim por esse derradeiro encontro. A despeito do tempo que se passou, o Tigre ainda se mostra um oponente formidável, de notáveis Força e Coragem. Ele caminha lentamente entre as árvores e arbustos, até chegar ao limite dos mesmos com a clareira. Sua intenção é se deixar mostrar frontalmente ao Espadachim, que observa sua lenta caminhada com olhar frio e mão prontas a desembainhar a espada.

O Espadachim encontra-se quase tão branco quanto o Tigre, uma vez que enquanto seu oponente se aproximava sem pressa, a neve caiu com um pouco mais de intensidade, até quase deixar toda a floresta imersa num insondável, místico e silencioso branco. Pela primeira vez em horas ele move seus pés, caminhando em direção ao Tigre. Sua caminhada é igualmente lenta e milhares de lembranças lhe passam pela mente durante esse curto trajeto: amores, celebrações, batalhas, filhos, amigos, vitórias, derrotas, orgulhos, vergonhas, desejos, nascimentos, mortes, frustrações, risadas e solidões. Cessa seus passos a poucos metros do Grande Tigre Branco, que avançou também uns poucos metros em sua direção e parou. Em toda sua majestade coroada de alegrias e sofrimentos, aquele nobre Animal retém também experiências muito parecidas com aquelas vivenciadas pelo Espadachim que fita seus olhos bem à sua frente. A tensão é bastante evidente. A floresta mergulha num silêncio ainda maior. O único som que se ouve é a respiração intercalada de ambos. Mesmo seus corações parecem estar emudecidos diante daquilo que pode estar por vir.

O olhar do Espadachim contém tantos sentimentos e vontades, tantos anseios, tanta energia, que o velho Tigre aproxima-se de cabeça e guarda baixas, visivelmente oferecendo, cansado e sem resistência, sua Vida em nome da Paz que inutilmente buscou no mundo. O virtuoso Espadachim desembainha sua lâmina, fazendo com que o som do metal ecoe das planícies às montanhas. Os poucos pássaros que ainda encontravam-se nos arredores assustam-se e temerosos ganham os céus, voando para longe daquele cenário a ponto de ser tocado pelo pecado. Homem e Fera a um palmo de distância, prestes a adentrarem cegamente o Abismo para o Inferno. O Espadachim empunhando sua espada, toca a cabeça do Grande Tigre Branco e diz:

“Irmão Tigre, o sentido de todas essas lutas se perdeu em tantas décadas de ferozes batalhas. Você veio hoje a esta clareira oferecer tua Vida em nome da Paz. Eu vim hoje a este mesmo local, te oferecer minha Vida em nome do teu Perdão.”

A noite os acolheu delicadamente… e ao amanhecer, a neve ao redor de suas pegadas encontrava-se tão pura, alva e inocente quanto jamais fora antes.

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